sábado, 26 de abril de 2014

Rodas de oração, templos e cachorros

Enquanto espero os homens desarmarem o acampamento e acondicionarem toda a parafernália em cestas de vime, vou ao encontro duma moça que me espia faz um tempinho. Ela fala quase nada de inglês o que não impede que mantenhamos um certo grau de comunicação. Peço autorização para fotografá-la e ao bebê que, enrolado num pano, é carregado nas costas. Resultam lindas fotos da mãe e de seu filhinho. Dedico-me então a observar o tanto de gente que passa na ponte pra lá e pra cá: uma senhora girando sua roda de oração, crianças com pastas nas costas a caminho do colégio, mulheres tagarelando, homens caminhando apressados, enfim, um vai-e-vem interessante que me distrai bastante. Terminada a arrumação, com o equipamento armazenado numa das casas existentes em frente à ponte (amanhã, um caminhão levará não só o tralharedo como Dorji Cook e Thukten pra Thimpu), embarcamos na caminhonete e retornamos a Jakar. E dale a escutar músicas do celular de Dorji Cook, dentre elas um rap butanês que deixa todo mundo super animado. Eu danço no banco abanando pra quem encontro na estrada. Pema, Dorji e Thuk cantam entusiasmadamente. Estamos todos muito contentes porque foi um bom trek em que tudo correu lindaçamente bem! Antes do resort, Pema estaciona o carro um pouco antes do templo Kurje Lhakhang. Descemos e subimos por uma íngreme escadaria até o topo da colina onde há uma fonte de água abençoada pelo guru Rimpoche. Não só os rapazes como outras pessoas, portando garrafas e galões de plástico, buscam se abastecer da tal holy water. E algumas ainda molham a cabeça na bica, provavelmente, buscando se purificar na santificada água. No almoço, já no resort Pelling, o mesmo onde me hospedei quando por aqui estive há 8 dias, constato deliciada que Dorji e Thuk estão envergonhados, os queridos! Desacostumados em freqüentar ambientes com certo grau de requinte e conforto, o encabulamento de ambos é comovente. Thuk que já fala baixo, sussurra, respeitosamente, como se dentro dum templo estivesse. Já Dorji, mais safo, consegue disfarçar um pouco melhor seu desconforto. Suponho também que o embaraço dos jovens se deve ao fato de estarem sendo atendidos por criados. Ensinados boa parte de suas humildes vidas a bancarem os serviçais, imagino o estranhamento em serem servidos por outros. Chove a tarde toda. Assim, passo o resto do dia no meu confortável quarto, com um belo fogo crepitando na salamandra a lenha. Quando canso de estar ao computador, dando um trato em fotos e vídeos além de postagens no Face, vou até a varanda pra esticar as pernas e curtir o visual. Só saio para jantar e dentro dum espírito de embalos de sábado à noite, convido os rapazes para um trago já que amanhã estarão retornando a Thimpu onde moram. O pequeno Thukten, surpreendentemente, recusa a bebida alcoolizada. Aceita, porém, um refrigerante. Brindamos, então, à boa convivência com a saborosa Druk 11000, cerveja de fabricação nacional, e, claro, com o refri de Thuk! 
Domingão, lá vou eu escoltada por Pema rever alguns sítios em Jakar que já visitara em 2011. Em frente ao templo Jambay Lhakhang, o mesmo onde há 2 anos atrás, eu assistira a dança dos homens nus, deixamos o carro para irmos a pé até Kurje Lhakhang. No caminho, passamos por Wangdicholing Palace, residência real de verão dos soberanos butaneses, Cercada por muros baixos, com o portão convidativamente aberto, Pema e eu entramos no parque onde os blue alpines dominam. Nenhum guarda, somente alguns cachorros que ladram mas não atacam. A residência, nem grande tampouco suntuosa, atualmente, se encontra desocupada. Encontramos o Kurje Lhakhang fechado (também já meu conhecido de 2011), porque é hora do almoço. Daí o motivo de nem lamentar não tê-lo visitado. Continuamos nossa caminhada agora por uma estreita estradinha rural de chão batido. Enlameada e com muita bosta de gado, amaldiçoo a ideia de ter calçado o velho e confortável Crok. Macieiras floridas dão um toque elegante aos quintais das casas. Nem o tempo nublado anunciando chuva iminente consegue empanar a beleza bucólica do lugar. Quando estamos retornando ao ponto onde Pema estacionou o carro, começa a chover e forte. Refugio-me no Jambay Lhakhang e observo que estão restaurando telhados e balaustradas deste milenar templo. Num cantinho, sentados no chão, um casal de idosos, sem descuidar de girar suas rodas de orações, mantêm animado diálogo. Não sei se é conversê ou briga o que rola entre eles. Merda não saber a língua do país, né? Fico encantada quando percebo que os cachorros têm livre trânsito dentro do templo, sem que alguém os enxote. E o tilintar metálico das duas grandes rodas de orações, postadas uma em cada lado do pórtico de entrada, anuncia o frequentar assíduo dos fieis no templo. Quando saio, o chuvaral cessou, o que me permite ir caminhando até a rua principal de Jakar. Entro em uma loja de artesanatos especulando o preço das mercadorias dum colorido vibrante. Aneis, colares, brincos, braceletes, chaleiras, vasos e potes são feitos com turquesa, coral, rubi e lápis lazuli. Lindos. Dá vontade de comprar tudo!! Volta a chover e, do interior do estabelecimento, vejo três monges abrigados sob um colorido guarda-chuva. Claro está que os fotografo! Não demora muito a chuva estia e vou à procura de Pema que se encontra mais adiante aguardando por mim. À tarde, vamos visitar o Jakar Dzong construído no século XVI. Essas fortalezas são espetaculares e me fascinam demais. Não canso de visitá-las. Seus pátios internos, rodeados de portas e janelas coloridas dão por sua vez em outros pátios. Monges com suas vestes vermelhas esvoaçantes caminham apressados. E novamente cai um pancadão que estanca tão rápido quanto apareceu. Ah, uma paz este lugar!

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