quinta-feira, 24 de abril de 2014

Em terras de Dorji Horse

Acordo às 6 mas como hoje começaremos a caminhada mais tarde que nos dias anteriores, me dou ao luxo de ficar até às 7 dentro do saco de dormir. Pema achou por bem alterar o trajeto em razão de nossa ida inexitosa às piscinas térmicas. Pegaremos trilha diversa da que viemos de modo a conhecer, assim, Dhur, a vila de Dorji Horse, não incluída no roteiro original. Tão boa essa lei das compensações! Não conheci as águas termais mas vou conhecer uma vila....ebaaa!!! Nesta região há ursos pretos. Infelizmente, deles só vi marcas das patas e unhadas no tronco dum rododendro. Temperatura amena, afinal já estamos a uma altitude abaixo dos 3 mil e 500 metros. Destacando-se, no verde do pinheiral, o colorido rosado das flores dos rododendros! Saímos às 10 do acampamento Chok Chokma. A trilha acompanha uma encosta de montanha onde, à esquerda, jaz, no fundão, pequeno vale, delimitado pela montanha fronteiriça. Lá, vemos, encarapitado, um monastério, construído em lugar de dificílimo acesso. Sinal de que os monjes querem retiro espiritual mesmo. Nem bem decorridas 2 horas, pausa para tea break, numa clareira em cuja grama brotam milhares de prímulas azuis. Thuk e Dorji esticados no chão fazem poses tirando fotos um do outro. Temperatura agradável, em torno duns 16º C, embora o sol muitas vezes fique escondido por nuvens que, num vai-e-vem, o toldam. Desconfio de que esse seja o comportamento climático usual durante a primavera butanesa. Um ventinho sopra e move suavemente a copa dos pinheiros. Acabamos almoçando aqui mesmo nesta bela pradaria. A comida, ótima. Como estamos num lugar descampado, os rapazes aproveitam para verificar se seus celulares funcionam. E contentes porque apresentam sinal, conversam com seus parentes. Terminado o almoço, retomamos a marcha. Embora curta, é dura porque se trata duma subida íngreme dentro dum úmido bosque. Quando alcançamos a clareira que avistáramos daquela onde havíamos almoçado, paramos. O lugar, conhecido como Khamgi, será nosso acampamento. Situadas a 3.200 m, as terras pertencem à família de Dorji Horse. Pema chega botando os bofes boca afora, hehehe. Não resisto e gozo um monte dele. Cedo ainda, nem bem são 14 horas, cai a tradicional chuvinha miúda e intermitente. Nem chega a molhar o solo. Penso cá com meus botões, resmungos de chuva, isso sim, é o que é. Empresto meu ipod para Dorji Cook e ele, enquanto monta minha barraca, começa a dançar ao som da música. Acompanhando a chuva, que apertou, ruídos de trovões não muito distantes quebram o silêncio da tarde. Devem ser chuvas típicas da estação. De lanche, Dorji preparou masala tea – coisa boa - e pipoca apimentada, servindo também biscoitos doces cobertos com açúcar cristal. Preocupada com minha silhueta, sei lá se considero bom que meu apetite tenha voltado. Mesmo assim, mando ver na pipoca e nos biscoitos. Percebo os topos das montanhas ao redor cobertos pela neve que caiu durante a noite. Reina silêncio no acampamento Khamgi. Dorji Horse sumiu, deve estar no mato buscando lenha pra fogueira noturna. Pema descansa em sua tenda e os outros dois estão na barraca-cozinha preparando a janta. Dorji escuta o ipod com um só fone de modo a ouvir o conversê de Thuk, veja só! Reflito em meu ócio que Thuk tem um sorriso fácil, ao passo que o de Dorji Cook é mais contido. Já Dorji Horse sorri de canto. Deve ser tímido, concluo. Por fim, Pema, na condição de guia, exibe sorriso profissional. Vi, ou melhor, tive um fugidio vislumbre, durante a subida até o acampamento, do único animal selvagem de todo o trek: uma raposa. Daqui de dentro da barraca, vejo que a montanha em frente está encoberta por um fino véu de cerração. Agora 17 horas, a chuva se intensifica, trazendo consigo uma friorenta e desagradável umidade. O tamborilar dos pingos é incessante no teto da barraca, só varia sua intensidade: de forte a fraca e vice-versa. Eu, cá dentro de minha casa de lona, continuo a leitura dos contos de Alice Munro. Entedio-me contudo decorrida duas páginas. Gostaria mesmo é de estar ao ar livre, deixando o olhar vagar sem compromisso pela paisagem, ao invés de confinada em tão exíguo espaço. Largo o livro e fecho os olhos. Escuto os trovões e estiro o corpo....coisa boa essa vidinha!

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