sábado, 28 de novembro de 2009

Chuvosos findis em Praia Grande

Agora que sou motora, tenho viajado sempre que posso a Praia Grande. Neste mês de novembro que está findando, não deu outra. Fui em todos. Comemorei, inclusive meus 57 aninhos lá. Teve festa com arco de balões e letreiros rosados desejando "Feliz Aniversário, Biazinha", feito por uma amiguinha de 10 anos, sobrinha da Mariola, apelidada por mim de Maria Junior.
O jantar contou com a presença dum artista local, o Fofi que nos brindou com um show trilegal. Até ganhei presentes!! O pai de Kaloca, poeta e trovador, recitou um poema em minha homenagem. Quase fui às lágrimas. Bueno, no sábado posterior ao meu niver, fui com Kaloca fazer o morro do Cavalinho. Nublado, o dia não prenunciava nenhuma melhora em sua feição casmurra. Esse tipo de coisa não me abala. Só se estiver chovendo canivete, refugo em pôr os pezitos nas trilhas. Caso contrário, lá vou eu, de mochila e bastão, bem feliz. Ademas, não tem desculpa pra não fazer um trek, porque com o calor que já tá fazendo, embora ainda estejamos na primavera, tudo de bom uma chuvarada durante uma caminhada, não é mesmo? Uma grande parte da subida se fez dentro dum carreiro, utilizado por tropeiros nos tempos de antanho. Atualmente, pouco utilizado, apresenta-se fechado e de difícil trânsito, daí a quantidade de arbustos espinhentos apelidados “unha de gato” ou “rapa canela”. Apesar de vestir calça comprida, minhas pernas ficaram todas lanhadas pela danada da vegetação. Muito cipozinho dando calço caso eu me descuidasse durante a pernada. As águas de um córrego cavaram na terra uma canaleta que se assemelha a um minicanyon. Uma gracinha. Após a travessia pela mata atlântica, chegou-se a um descampado coberto de urtigão, vegetação que data de tempos pré-históricos. Enormes, brotam de suas folhas, na parte interna, pequenos espinhos; na parte terminal do caule, junto ao chão, lindas florações de cor avermelhada. A cerração tornou-se densa, pesada quando atingimos o topo do morro do Cavalinho. Ali a vegetação já é de outra qualidade: rupestre. Pequenas e delicadas flores brancas, amarelas e fúcsias crescem junto às rochas. Nada se avistava do vale Mampituba lá embaixo. Caminhamos pela crista, atravessando um corredor formado, naturalmente, por rochas. Super legal! O perfil solitário duma árvore em meio à bruma chamou minha atenção e não hesitei em fotografá-la. O passeio não durou mais que 4 horas entre subida, descida e deslocamento de ida e vinda até Praia Grande. No domingo, apenas uma caminhada de 9 km subindo a serra do Faxinal pra visitar a pousada Morada dos Canyons. Eu e Mariola. Tudo muito light. Mas agora, neste findi, vou à forra. Basta de tanta moleza. Cansada do percurso via estrada do mar, sigo, na sexta-feira, reto pela BR 101 até Três Cachoeiras, e lá pego a RS 494 que conduz ao município de Mampituba. A paisagem é linda, cercada de morros e plantações já evidenciando os primeiros brotos verdes dos arrozais. Ao longo da rodovia, quase toda asfaltada, pequenas vilas com sugestivos nomes: Morro Azul, Pixirica e Costão da Nossa Senhora da Piedade. Lá pelas tantas, meu desconfiômetro apita. Pelos meus cálculos, eu já deveria ter entrado numa estrada vicinal que conduz a Praia Grande. Resolvo perguntar pruma mocinha abrigada sob um guarda-chuva já que um chuvisco cobre a região desde que eu passara por Morrinhos do Sul. Sou informada que estou na Roça da Estância, lugarejo gaúcho. Dou ré e retorno pela estradinha de chão batido. Paro mais duas vezes pra tomar informações (numa delas, uns guris, após me indicarem onde eu deveria dobrar, ficaram lançando olhares irônicos......humpf, coisinhas nojentas!). Uma neblina já encobre a paisagem pras bandas de Praia Grande onde chego depois de 4 horas de viagem. Tudo porque me perdi! Tem importância, não. Pra mim tudo é curtição. Rodando e aprendendo! Kaloca e eu, no dia seguinte, vamos ao Barbacuá. Este nome, indígena, significa um fogão escavado na terra pra secar a erva mate. Uma das minhas primeiras “montanhas”, eu subira ao topo de seus 930 m há 3 anos atrás. Todavia, poucas são as lembranças de tal caminhada, motivo por que resolvo repetir o passeio. A manhã exibe um céu azul e uma temperatura morna, quase quente nas 10 horas do horário de verão. Situado no Rio Grande do Sul, pra se atingir este morro há que se cruzar uma ponte de arame sobre o rio Mampituba, o que Kaloca faz com maestria pilotando sua moto 150 cc. Quando entramos na primeira mata, cai um pancadão. Mas como moramos num país tropical, a chuvarada dura coisa de 3 minutos, atenuada em muito pela vegetação que serve de cobertura natural aos pingos grossos que caem vigorosamente. Mesmo assim troco a máquina digital Nikon pela Olympus à prova d’água. Como esta trilha não é muito freqüentada, o mato tá bem cerrado. Fungos de cor amarelada crescem ao redor de troncos de árvores. Observo uma estranha espuma branca saindo da casca dum arbusto. Desavisada, quase me espeto nos afilados espinhos duma palmeira de tucum. Na hora agá, contudo, me dou conta do perigo e evito me agarrar em suas folhas. Dessa feita, Kaloca leva seu facão e desbasta a vegetação que entrava nosso caminho. Afinal, mato é como cabelo, cresce logo. Por isso, aos ecochatos um conselho: catem coquinhos, queridinhos! Após uma caminhada de pouco mais duma hora, chegamos a um descampado plano cuja duração não levou mais que 15 minutos. Logo adentramos outro bosque, menos fechado que o anterior, cuja trilha bem demarcada é trocentas vezes menos cerrada que a anterior. Em 30 minutos de caminhada, ingressamos, novamente, em campo limpo cuja vegetação rasteira me serviu de apoio na subida puxadíssima. O aclive deve ter, talvez, uns 60º de inclinação, tanto que, nos dias subseqüentes, minhas coxas acusaram, doloridas, tal esforço. Em chegando ao platô, a caminhada até o topo foi moleza. Sentamos numa pedra pra apreciar a paisagem que se descortina a oeste: o morro do Cavalinho e os paredões esbranquiçados que formam o cânion do Itaimbezinho; já ao sul, eis a comunidade de Rio do Meio onde duas das várias cachoeiras que formam a garganta do Tupy, já rapeladas por mim, riscam de branco o verde da vegetação. Atrás de nós, a leste, o litoral gaúcho mal e mal entrevisto porque obnubilado pela densa viração. Muito estranha a paisagem: apresenta trechos despejados e outros totalmente encobertos pela maciça presença de nuvens que pairam apenas neste trecho da região. Tirando onda de bipolar esse clima hoje, hein? Terminado o passeio, montamos na motoca, que deixáramos no sopé do morro e retornamos a Praia Grande. Na janta, Maria serve umas costelinhas de porco que me tiram do sério. Assim, ignoro olimpicamente meus sempre altos níveis de colesterol e devoro sem culpa vários e diversos pedaços do bom suíno. Durmo que nem um anjo: de pança cheia e coração leve. Como já há várias semanas não faço canionismo, devido à danada da chuva, combinamos Kaloca e eu que, se no domingo o tempo estiver relativamente bom, rapelaremos as 6 primeiras cachus da garganta do Café. Foi o meu primeiro rapel em Praia Grande há três anos atrás. Naquela época, com muito medo, os rapéis foram guiados por ele. Desci todas as 11 cachus com Kaloca ao meu lado. Eu mal conseguia falar. Só gemia de aflição. Curti nadica de nada, tão apavorada estava. Domingo amanhece quase impecável. Seria ouro sobre prata se não fossem alguns floquinhos a manchar de branco o céu azul-claro. O calor gostoso é um convite à prática desse tão lúdico esporte. E lá vamos nós pela serra do Faxinal, entrando na mata um pouco antes de chegar ao morro dos Cabritos. Atravessamos uma mata atlântica relativamente limpa, terreno quase plano. Decorridos 15 minutos, alcançamos a primeira cachu, a menor delas (10 m), cuja ancoragem na pedra é com grampo P. Observo o volume d´água: não é desprezível. Também pudera, a chuva, há quase quatro meses, não tem dado tréguas aqui no sul! Uma pequena caminhada sobre o leito do rio até a segunda cachoeira, apelidada, adequadamente, do Varal (tudo porque a aproximação até o início do rapel se faz rapelando até um estreito platô, onde, ancorada, se fica pendurada tal qual roupa numa corda). Seus 25 metros são tranqüilos e sua ancoragem também é com grampo P. Já o rapel na terceira cachu é barbada. Um rampão de 30 m com pouquíssima declividade. Portanto mais fácil impossível. Ultrapassamos várias cascatinhas na base da desescalada sem o uso de corda porque nada que inspire muito cuidado. Dessa vez, curto a beça o canionismo. Estou segura, confiando no meu taco e assim desço os 25 m da quarta cachu. Seus degraus acentuados facilitam bastante o rapel, cuja ancoragem é feita numa árvore. Já a quinta cachu, com seus 30 sinuosos metros, forma dois belos platôs, sendo que, no último, a água escavou um incipiente pocinho. Ancoragem na pedra, também com grampo P. O tempo começa a nublar e quando alcanço a sexta, igualmente com 25 m, cuja ancoragem é na árvore, o céu já mostra uma tonalidade cinzento-claro. Nessa última, senti a pressão da água em minhas coxas. Chegou a doer. A função toda demorou pouco mais de 3 horas (iniciamos por volta das 11 e terminamos às 14:10). Preferi não fazer as cinco restantes porque ando meio cansada. Afinal, minha rotina de vida em Porto é bem puxada. Ah, patrulheiros do meio ambiente, um esclarecimento procês: o pessoal aqui de Praia Grande, responsável pela descoberta das muitas vias de rapel na região, evita o que pode a colocação de ancoragens artificiais. Preferem usar ancoragem natural, seja nas árvores ou nas pedras, de modo a preservar a natureza. Só quando não tem jeito mesmo é que usam chapeletas ou grampos P. É isso aí....melhor esclarecer, não é mesmo? Pra evitar polêmicas inúteis, sacou?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Não tá morto quem se aventura!

Feriadão de Finados me chama. Pra onde? Praia Grande, ora! Quer melhor lugar pra prantear meus mortos? Lá posso fazer o que mais gosto: canionismo! Afinal, tenho de curtir o que ainda me resta de vida - tão curta ela, né? Tal qual um piscar de olhos ou um estalar de dedos, antes de dar com a cola na cerca, como dizia gauderiamente o meu querido pai (e tu tá bem aí, velhinho?). E lá vou eu na sexta bem cedinho, tipo 7 da matina, rumo à cidade dos infindáveis peraus. Ponho de cara no cd player do carro, um Led Zeppelin pra espantar qualquer vestígio de sono que ainda paire sobre este corpitcho. E como estou ainda na free way, tasco o pé no acelerador até a velocidade permitida de 110 km/h. Sinto-me muito à vontade na estrada, ao contrário da cidade com motoristas estressados e mal-educados. Depois da minha paradinha prum cafezinho no km 1 da Estrada do Mar, ponho The Clash pra rodar. Hoje estou rock and roll. Janela aberta, deixo entrar o arzinho gelado da manhã. Uma neblina faz com que eu acenda o farol. Melhor prevenir que remediar, não é mesmo? Já com fome e perto da tenda do Veio, paro mais uma vez. Belisco o que me oferecem: um pedaço de suculento abacaxi, um naco de queijo e meia bolacha. Arremato com uma taça de café com leite. Agora sim, posso fumar um cigarrinho enquanto ponho Bo Diddley pro que me resta de estrada. Um bom blues sulista do Mississipi cai bem, hein? Dou a minha habitual paradinha na cabana de Kaloca pra acertarmos a hora de partida pra Morrinhos do Sul antes de ir pra Colina da Serra. Em lá chegando, entro na cozinha e pra minha surpresa a encontro vazia. “Mariazinha, Mariazinha, cadê tu, sua gringola safada?” E a danada da loira me faz pular assustada, saindo de mansinho, escondida que está atrás da porta. Quarenta e oito anos nos costados e age tal qual criança. Tsk, tsk, tsk....eta, mulherzinha bem abusada!! Beijocas e mais beijocas. A saudade é muita. Pois não é que faz três semanas que aqui não venho? Um ranguinho maneiro me é servido de almoço: carne de porco, arroz, feijão, uma farinha amarela, espertésima, um troço de louco de boa, que Maria trouxera da Bahia, e salada. Pauleca, com sua simpatia contagiante lasca carinhoso “Bia Seidl, tu de volta”. E eles me contam de suas aventuras em terras baianas, onde foram visitar seu filho que mora em Camamu. Mariazinha até ganhou um bronze em sua pele leitosa. Às 14, depois duma breve soneca, estirada no sofá do refeitório, pego o carro e passo pra pegar Kaloca e Rejane. Vamos acampar novamente em Morrinhos do Sul e fazer o canionismo em Tajuvas, dessa vez rapelando todas as cachoeiras que em maio não fora possível. O dia está supimpa, céu de brigadeiro, calor de sauna finlandesa. A dona da casa onde deixo o carro estacionado me reconhece. Alegre, puxa prosa comigo sobre o vídeo no youtube que eu fizera dela (e foi um vizinho que viu! Olha só, o poder da internete alcança rincões onde nem judas imaginaria perder as botas!), assando roscas no forno de barro, quando aqui estive no início do ano. Uma simpatia essa senhora. Eu por mim ficava mais tempo mas a ladeira me chama, hehehe. Rejane, nada acostumada às indiadas, pena pra subi-la. Tomo a dianteira e deixo o casal pra trás. Quando atinjo o topo da colina, o litoral gaúcho descortina-se, secundado pela laguna de Itapeva. Uma delícia essa paisagem! Espero por eles e aproveito pra descansar da mochila que, pra mim, embora sejam apenas 5 kg, pesa um monte pros meus 48 kg. Chegamos ao local do acampamento já quase 19 horas. Kaloca monta a barraca, e Rejane e eu vamos até um pequeno córrego buscar água. A lua cheia dispensa o uso de lanternas e assim ficamos ao redor da fogueira, comendo enquanto jogamos conversa fora. No dia seguinte, iniciamos o canionismo às 10 horas e tudo está terminado, sem maiores percalços, às 16. Chego na pousada e quando entro no refeitório, ouço o borbulhar do feijão no fogão a lenha. As panelas de alumínio penduradas de ganchos na parede reluzem de tão polidas. Encontro Mariazinha encostada à pia, lavando alfaces colhidas, não faz muito, da horta. Mais comentando que perguntando, a irreverente me saúda “E aí, abençoada, foi dessa vez que deixaste tua pomba pendurada nos galhos?” O motivo de tal maledicência se justifica: gostaria a abusada de que eu permanecesse mais na pousada tagarelando com ela. Essa gringa me diverte, e como! Aliás, Mariola é dona de expressões deliciosas tais como “fulano não tem nem pinto pra chutar”, quando o sujeito é pobre e metido a besta. Se enojada de algum papo que eu e Pauleca, seu marido, entretemos, lasca sem mais nem menos “ó, pra vocês, baixei uma cortina acústica”. E fica fumando seu cigarrinho com ar distante. Pauleca, com ar pachorrento, balança a cabeça como quem diz "essa não tem jeito mesmo". Ciente da beleza e do aconchego da pousada, a Mariazinha do Bole Bole diagnostica, com acerto: “Os turistas gostam tanto da pousada que vão embora olhando pra trás.” Mas como quem fica parado é poste, no domingo, repito o canionismo na Via dos Monitores. É ponto de honra a colocação duns grampos na cachoeira de 60 metros. E lá vamos nós, Kaloca e eu, empreender tal missão. Ao contrário da primeira vez em que aqui estive, a gargantinha agora apresenta outra feição. As pedras que, àquela época, luziam de tão molhadas, assanhadamente escorregadias, loucas pra te dar um tombo, agora não apresentam perigo algum: sequinhas e opacas estão. Parecem outras. Incrível, como a chuva realça o colorido da rocha e seus cristais. Putz, pois não é que São Pedro faz um make up trilegal nas rochas?! Kaloca, matreiro, bate com o martelo na pedra pra verificar a solidez da mesma. O som permite avaliar se ela é oca, porque se assim o for, o lugar torna-se proibidésimo, até pra pôr grampo de cabelo. Meu guia, com habilidade adquirida em anos de prática, perde, se tanto, uns 20 minutos perfurando, com martelo na pedra um grampo P. Segundo ele, só sai se houver um terremoto. E “olhe lá”, garante com seu ar confiante. Eis cumprida nossa tarefa em tornar a maior cachoeira da via mais segura pro rapel. Nesse feriadão só repito velhos passeios. Sendo assim, na segunda torno a rapelar as seis cachoeiras da Via dos Iniciantes. Apesar de pequena e estreita, é uma ravina encantadora, circundada de abundante vegetação, típica de mata ciliar, com rochas forradas de musgo verdejante. O ápice desse breve canionismo é saltar do alto duma rocha de 4 m num dos inúmeros poços formados pelo Mampituba. E o meu corpo mergulha tal qual um ponto de exclamação nas águas limpas e tranqüilas do rio. Refrescada, junto-me a Kaloca e Rejane, sentados, abraçadinhos, à margem do rio. De lanche, um abacaxi de Terra de Areia, maduro, no ponto exato. O odor da fruta paira na impecável tarde de Finados. Oxalá meus mortos descansem em paz. Porque eu ...estou!