sábado, 26 de novembro de 2005

Chapada dos Guimarães

Passados trinta anos, reencontro uma colega dos tempos de ginásio que mora agora em Cuiabá. Vai daí que, em novembro, aproveite a oportunidade pra revê-la e conhecer de quebra a Chapada dos Guimarães, distante da capital apenas 65 km. Após passar dois dias com Osnilde (ela ganhou este nome graças à combinação criativa de seus pais ao juntarem Osvaldo, do pai, mais Venilde, da mãe) botando o papo em dia (se é possível falar em tão curto período de tempo do que nos aconteceu num intervalo de trinta anos!), me toco de ônibus pra Chapada, distante 1 hora e 30 minutos de ônibus. A cidade é pequena com 15 mil habitantes, bem simpática, pousadas pra todos os bolsos e gostos, um número razoável de restaurantes, lojas de artesanatos, alguns bem interessantes, como uns uns colares de sementes feitos pelos índios da região, além de uma padaria na frente da praça cujo grande atrativos são os quitutes, muiiiito saborooosos!! Quando eu chegava de meus passeios à tardinha, me sentava lá e comia algo pra restaurar minhas forças após um dia caminhando. Hospedei-me num hotel, perto da rodoviária, simples mas limpo, com diária de 40 reais incluído café da manhã. A temperatura, bem como eu gosto: 30º C durante o dia, à noite refresca em razão de a cidade situar-se a 600 metros acima do nível do mar. Daí por que essa cidade foi eleita o lugar preferido de veraneio dos mato-grossenses de posses, sem falar na tribo de esotéricos que também a escolheram por ser considerada o ponto geodésico da América, emanadora, assim, no entender deles, de altas energias cósmicas. Como sói acontecer em todo lugar elevado, surge, muitas vezes, uma densa cerração, como a que me envolveu a noite passada, enquanto eu jantava no Bar Maloca, um restaurante maneiro situado na esquina da Fernando Correa: mesas ao ar livre, um telão em que são projetados show musicais, afora sempre ter alguém simpático pra bater papo. A especialidade são os espetinhos de carne, galinha, peixe ou camarão, acompanhados de arroz, molho de vinagrete, farofa de banana ou de alho e mandioca cozida, custando cada um, com a guarnição, uma média de 7 reais. A 15 minutos de carro da cidade, localiza-se o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (há uma linha regular de ônibus, partindo da rodoviária de hora em hora, no período das 08:00 às 17:00). Há inúmeras trilhas cortando o parque, não se necessitando de guia pra percorrê-las (eu só contratara o guia Gilberto, porque, pra visitar a Cidade de Pedra e a Caverna Aroe Jari, inexiste transporte público). Como não é um parque muito grande, possível percorrê-lo em um dia, claro que naquela correria. O ideal, contudo, é permanecer uns cinco dias na cidade pra visitá-lo calmamente. Dos seis dias em que permaneci em Guimarães, curti cinco indo ao parque. Saía de manhã e voltava à tardinha no último busão que passa na rodovia, distante 500 metros da portaria do parque. Tomei belos banhos nas cachoeiras que se sucedem uma após a outra, iniciando pela Sete de Setembro ou Sonrisal, depois vem a do Pulo, a dos Degraus, seguida pela Prainha, Piscinas Naturais, e por fim a Andorinha e a Independência, formando o circuito conhecido como Caminho das Águas, uma seqüência de quedas d’águas formadas pelo rio Sete de Setembro. Uma das belas coisas em lá estando é visitar a caverna apelidada de Casa de Pedra: um trabalho de erosão fluvial feito pelo onipresente rio Sete de Setembro cujo curso d'água atravessa o parque de ponta a ponta. Espalhadas ao longo do trajeto até a Casa, há inúmeras formações rochosas interessantes, algumas lembrando gigantescos cogumelos. Não só o parque como a região ao redor é formada de rochas areníticas apresentando a paisagem uma vegetação típica denominada cerrado (há três tipos de cerrado no Brasil: o cerrado, o cerrado anão e uma transição entre o cerrado e a floresta amazônica, situado mais ao norte de Mato Grosso) que consiste em árvores e arbustos pequenos e retorcidos recobertos com uma casca bem grossa, cuja finalidade é servir de isolante térmico para as altas temperaturas existentes na região. Estas formas retorcidas dos galhos e troncos são produtos de um solo ácido, que assim se mantém, pobre em nutrientes, devido à autocombustão do cerrado. Resulta este curioso fenômeno da produção, por certas plantas - como o candombá - de uma substância oleoginosa que se inflama em contato com o calor. Com isso, evita a mãe natureza que as folhas depositadas no solo, apodreçam e sirvam de nutrientes, perpetuando-se, portanto, mirrada e introvertida a vegetação do cerrado. Sábia a natureza, hein? Impressionante foi conhecer a caverna Aroe Jari - na língua dos bororos, significa morada das almas penadas -, localizada em terras particulares, distante 40 km da cidade. Quando se chega a sede da fazenda, são fornecidas perneiras e o uso obrigatório deste acessório surge da necessidade de proteção contra a grande quantidade de cobras existentes no lugar (só no final do passeio, enquanto estávamos eu mais Gilberto bebendo cerveja num barzinho de beira da estrada, foi que avistei de longe uma enorme jibóia pendurada em uma árvore: pra meus olhos desavisados eu a teria confundido com um cipó ou qualquer outro tipo de vegetação similar, hehe). Com um enorme salão inicial medindo 300 metros de largura, a imensa furna tem uma extensão de mais de 1 km. É permitido aos turistas adentrá-la somente nos seus 100 metros iniciais porque dali em diante a água que goteja continuamente das paredes e do teto chega a atingir mais de 2 metros de profundidade. Como a formação é predominantemente arenítica inexiste formação de estalagtites. A visão que se tem do exterior, quando se está saindo das entranhas da caverna onde reina absoluta a escuridão, é impactante pois os olhos são invadidos por uma explosão feérica de tonalidades diversas de verde pertencentes à abundante vegetação que nasce no entorno de sua entrada. Lá eu pude escutar à exaustão o trinar das maritacas - espécie de periquito cujas penas são absolutamente verdes - que enchem o saco com sua gritaria estridente, meio histérica. Não é de graça que as mulheres que azucrinam muito com seu falatório, são assim chamadas no Mato Grosso. Pertinho da Aroe Jari, Gilberto me levou pra conhecer a Lagoa Azul, uma gruta em que a água adquire coloração azulada devidos a certos minerais depositados no fundo de seu piso. Um pouco mais adiante, conheci a linda cachoeirinha da Martinha por onde fluem as águas do rio Casca, com suas intermináveis corredeiras, cujo desaguadouro termina no rio Cuiabá. Outra formação rochosa espetacular é a Cidade de Pedra, situada também a 40 km da cidade da Chapada mas em direção oposta à da Caverna Aroe Jari. Fomos num final de tarde pra poder admirar o pôr do sol que costuma ser lindo ali de cima. De longe, avistei Cuiabá já pontuada por miríades de luzinhas preparando-se para receber a noite que não tardou muito em cair. Sentada na borda do penhasco, meus olhos não cansavam de admirar o contraste exuberante do arenito avermelhado com o verde da vegetação....um deslumbre! O barulhinho bom das águas do rio fluindo lá embaixo aliado ao trinado de várias espécies de pássaros compunham uma música pra lá de benvinda aos meus ouvidos estressados dos ruídos dissonantes da cidade grande. Conversando com Gilberto fico sabendo que os índios fazem suas canoas da casca do jatobá-mirim, uma árvore com mais ou menos 10 metros de altura. Eles cortam a casca em semi-círculo obtendo assim a forma naturalmente arredondada apresentada pelas canoas indígenas. Gilberto colhe de uma árvore a mangaba, uma frutinha pequena com delicadas sementes, de gosto muito agradável. Pequi, outra fruta típica da região, não me foi possível provar porque ainda não está madura; entretanto, dei uma bebericada no licor de pequi, doce pra caramba, chega a dar um travo na garganta, arghhh!!! O forte da culinária matogrossense são os peixes, todos de rio, é claro, sendo os mais usados o pacu assado, a ventrecha (vem a ser a costela frita do pacu) e a mojica de pintado, menos gorduroso que os anteriores. E como não podia deixar de ser, a gauchada que pra lá migrou deitou raízes na culinária matogrossense, rebatizando e adaptando o carreteiro para "arroz maria izabel", em cujo preparo não se usa charque e sim carne fresca. Nos doces, cito o furrundum, uma mistura de rapadura derretida com doce de mamão e os delicados francisquitos, uns biscoitos feitos de trigo, que se come sem sentir de tão bons que são. Xiiii, tem tanta coisa gostosa nessa boa terra: a farofa de banana e o pixé - farofinha de milho torrado mais açúcar e canela -, vendido em canudinhos de papel. Outra coisa adorável desse lindo estado foi o rasqueado, um ritmo musical que se dança bem ligeirinho. Música muito, muito legal!! E foi assim que visitei a minha primeira chapada brasileira e resgatei uma bela amizade que se encontrava perdida lá no centro-oeste deste Brasil tão maravilhoso!!